Entrevistador: "Você inventa o poema ou o poema vem?"
Ferreira Gullar: "Não, eu invento. A vida é inventada, não é só o poema. Nós nos inventamos. A Divina Comédia podia não ter sido escrita. Bastava Dante ter morrido aos 15 anos. Eu não estou dizendo que [a coisa] por não ter sido escrita não tem importância. As coisas são feitas por acaso, são feitas como invenção, e depois se tornam necessárias à nossa vida se elas correspondem à nossa necessidade."
"Eu vou ler um poema que é curto, embora não seja muito alegre. Eu estava andando pela praia, porque eu moro perto de Copacabana, aí de repente eu me lembrei que meu filho, Marcos, fazia aquele passeio sempre, só que ele não existe mais, não estava olhando mais aquilo. Aí eu me comovi com esse pensamento e escrevi, pouco tempo depois, o poema, que diz assim:
Os mortos
os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias
Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça "
os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias
Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça "