domingo, 13 de março de 2011

Ferreira Gullar no Roda Viva



Entrevistador: "Você inventa o poema ou o poema vem?"
Ferreira Gullar: "Não, eu invento. A vida é inventada, não é só o poema. Nós nos inventamos. A Divina Comédia podia não ter sido escrita. Bastava Dante ter morrido aos 15 anos. Eu não estou dizendo que [a coisa] por não ter sido escrita não tem importância. As coisas são feitas por acaso, são feitas como invenção, e depois se tornam necessárias à nossa vida se elas correspondem à nossa necessidade."


"Eu vou ler um poema que é curto, embora não seja muito alegre. Eu estava andando pela praia, porque eu moro perto de Copacabana, aí de repente eu me lembrei que meu filho, Marcos, fazia aquele passeio sempre, só que ele não existe mais, não estava olhando mais aquilo. Aí eu me comovi com esse pensamento e escrevi, pouco tempo depois, o poema, que diz assim:

Os mortos


os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos

eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
       certas sinfonias
                 algum bater de portas,
       ventanias

           Ausentes
           de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
           se de fato
           quando vivos
           acharam a mesma graça  "


sexta-feira, 11 de março de 2011

"Sonhos Molhados"






Quem lê esse blog sabe que eu conto alguns dos sonhos que tenho. Eles são sempre estranhos, mas se fossem os comuns, qual o sentido de contá-los? O dessa vez foi assim: Eu no box do banheiro. No lugar da torneira do chuveiro, uma válvula de descarga. Eu a apertava. O ralo, entupido, regurgitava um caldo escuro, asqueroso e fétido. Com as costas na parede e as pontas dos pés no chão, eu evitava que aquilo encostasse em mim. Está ou não está claríssimo? Pois é. Está sim.

Lembrei-me da cena do banheiro em A Conversação* e do líquido misterioso de Solaris**.

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Só mais uma coisa: Eu prefiro um corajoso erro feio igual Zii & Zie*** a uma medrosa repetição de onomatopéias (dib dib da da du dudu para pá) feito aquele insosso Ária****. Quem não se reinventa na arte quer oferecer jiló com pó dourado ao público.

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* Coppola
** Tarkovsky
*** Caetano
**** Djavan


quarta-feira, 2 de março de 2011

Laranja

É obvia, mas tu não queria que a imagem fosse a de uma jaca, queria?



Peguei um saco verde com laranjas  verdes, mas por dentro eram laranjas laranja. A paternidade comprara. Havia 9 delas. Descasquei 3. A irmandade masculina comera 1. Mais tarde, descasquei mais 2. Mais tarde, mais 4. Mas laranja mais laranja dessa vez não houve. Descascá-las é tão chato quanto terapêutico. Entre descascar e comer, descascar e comer, descascar e comer, hoje fiquei com descascar tudo de uma vez pra que toda a parte chata fosse separada da prazerosa (esta ficando por último). Não tive vontade de comer ainda e gostei de descascar. Estão todas dentro da geladeira esperando por alguém disposto a encará-las. Laranjas me dão espinhas. Expostas e internas. Pode ser impressão, pode não ser. Outro dia fiz suco, hoje comi.

A paternidade comprou cheirosos Phebos, e muitos de cor laranja. É uma das fragrâncias de que mais gosto. Raspo, com a unha, uma camada ressecada que vem dos lados enquanto tomo banho. É divertido.

A prole da parte feminina da irmandade pintou as unhas de um laranja muito vivo. Ficou feio. Eu disse: "Que bonito!!! Quem pintou suas unhas?", ao que ela respondeu: "Minha mãe".

Ontem, no supermercado, eu vi carambolas meio verde-alaranjadas. Mamões meio verde-alaranjados. Chá verde com laranja, que eu tanto gosto, mas não o de laranja com especiarias, que procuro há mais de um ano. "Que tal um chá pra gente se achar?".

O botão "Publicar Postagem" é laranja. O logotipo do blogspot é laranja. (inutilidade)

"Pra você aprender a beijar, treine com uma laranja, ou então, tire o miolo do pão com a língua". 

Eu gosto muito de bolo de laranja.

"Quantas vezes já cheguei no fim da festa / Quantas vezes o bagaço da laranja é o que resta". D2 (apelei hein!) (o sotaque carregado pronuncia "resta" assim: /réixxxta/)

Disseram que para eliminar um foco de formigas dentro de casa, põe-se veneno num pedaço de fruta cítrica, que é a preferida delas, como uma laranja, e deixa-se a uma certa distância do local de onde saem. As formigas obreiras virão até a fruta, sugarão o líquido envenenado e, já dentro do formigueiro, alimentarão a rainha... Isso só me parece menos covarde e maquiavélico do que jogar sal em lesma. A impressão que dá é que para muitas pessoas esse inseto, por ser tão pequeno, não merece respeito. Soou meio protetor dos animais, mas é que tenho pena. Juro.

A formiga é o abutre da terra. (só pra completar "Cultura", do Arnaldo Antunes).

Um dos meus filmes prediletos: Laranja Mecânica. (Hoje em dia é predileto de todo mundo. O(a) fulano(a) vê Homem Aranha, Um Amor pra Recordar e Uma Linda Mulher. Quando perguntado(a) se já viu Laranja Mecânica diz que "eh o filme dah miña vida, véi. Adoro esces filme di pissicologia! Eu mim paresso com o Alex".

O Brasil perdeu para a Holanda ( laranja mecânica ) na copa de 2010.

Há duas gosmas verde-alaranjadas na capa de The King of Limbs (que é muito bom, por sinal).

E a Vereadora Antropófaga? Hahá! 7 minutos apenas. Tudo laranja. Almodóvar.

É previsível, mas tu não queria que as cores desse texto fossem azul e cinza, queria?

Sophie Calle. Regime Cromático. SEGUNDA-FEIRA: LARANJA - Purê de cenoura, camarão, melão, suco de laranja.

CALLE, Sophie. De L'Obéissance. Paris: Actes Sud, 1998.