terça-feira, 28 de setembro de 2010

O seu santo nome

ParkeHarrisson

Veio assim e eu não esperava mais ver. Sentou no banco quase de frente. Sem óculos. Sempre de tez tão branca! Olhou. Olhei. Gelei.  Disfarcei e fingi não olhar, mas foi só virar e re-olhei.

 My God what would the community think,
You are so beautiful, you are so beautiful.
All the things that people do in winter,
They all melt down in summer,
Things I never should say,
On a very hot day *

Sabe essa coisa de frio na barriga que se costuma atribuir à adolescência, mas que não nos deixa nunca, mesmo depois de um pouco mais velhos, especialmente quando há sentimento platônico envolvido? Tudo no objeto desejado é impecável. Pelo menos até o conhecermos de verdade. E a gente se põe lá embaixo. Ser stalker é ruim.

O que estraga é a idealização. O “tudo será perfeito”  é impossível porque a perfeição é imaginação que não consegue prever a espontaneidade dos acontecimentos, isto é, nunca viveremos um ideal, pois não prevemos os acasos do real.**

Entrou no ônibus, pediu desculpas a um passageiro por ter esbarrado, sentou. E eu olhei, admirando... porque com beleza, o que se faz é isso, em primeiro lugar. Todo mundo faz isso. Só não conta em blog.

Na volta pra casa fiquei pensando se é elogio dizer a uma pessoa que ela é bonita. Se ela nasceu daquele jeito e não tem como mudar, então a beleza que ela porventura tem foge ao poder dela, não houve esforço. Do contrário, dizer que alguém é feio também seria um elogio, quando nato. Um elogio talvez seja mais adequado a realizações, a feitos. O que diferencia pode ser a subjetividade da beleza. Eu acho e outros não. Vice-versa. Foi compreensível?

Mudando de assunto:

Escutei Julian’s Eyes, do Brett Anderson, o dia inteiro no mp4. E olha que não consigo manter o repeat  ligado.  Essa música sempre me parece um hino à beleza de alguém a quem se admira. Mesmo que não seja isso, gosto de pensar assim. Veja só:

Softening the winter with his eyes / Sitting in the meadow in disguise / Feeling his way, touching the stone / Watching the day through a telephone / Colors in the carnage of his hair / Lose it in the debris on the stairs / Feeling his way, touching her hand / Making his way to the bandstand / He's in the sky, he's in the tide / He's in the trees and the buzz of the night / Feet in the sand, watching life / Through julian's eyes / Softening the winter with his smile / Sitting in the doorway, counting tiles / Feeling way, touching light / Watching the day through quiet eyes / Elephants and spiders in his hands / Capital letters green and red / Feeling his way, making a start / Watching the day through cut glass / He's in the sky, he's in the grass / He's in the wind and the curve of the stars / Feet in the sand, watching life / Through julian's eyes.

É sempre perigoso atribuir aos outros o poder de ver por nós quando temos autonomia para isso. Mas aqui (na música) o teor poético é maior e não faz questão alguma, no momento, de conselhos terapêuticos. O que se deseja é entregar-se e ver a vida através dos olhos do objeto adorado. Ele está no céu, ele está na maré / Ele está nas árvores e no murmúrio da noite. / Pés na areia, vendo a vida / Pelos dos olhos de Julian”. “Ele está no céu, ele está na relva / Ele está no vento e na curva das estrelas (...). Um altar se ergue. Todos os elementos, distintos ou complementares, contêm o ser idolatrado. Aqui embaixo:  pedra, areia, relva. Lá em cima: vento, céu, estrelas. Julian é um ser híbrido. Sugere mistura de deus e homem, ligação entre céu e terra. Atribuíram-lhe poderes ao olhar, e as coisas se lhe renderam. Ele é o que amansou o inverno com os olhos e o sorriso e também o que suporta sentimentos densos (elephants) ou fugidios (spiders).

E mudando de assunto de novo:

Ontem, na biblioteca da faculdade, eu comecei a ler as Meditações do Descartes. Li a introdução pomposa que ele fez, sempre cuidadoso em agradar a igreja, dizendo que acredita em Deus, e a primeira das 6 meditações. Aliás, pra quem se interessa pela 'realidade fictícia' de Matrix vale a pena ler pelo menos esta parte. (Mas não vale pensar só em Matrix, hein! rs). Imaginar que o que se vê não passa de artifício, de sonho, é meio desesperador.

Mora na filosofia
Pra que rimar amor e dor... ***


--
Últimos filmes: A single man, Sangue Negro, Último tango em paris, A fonte da donzela, Fanny e Alexander, O céu de Suely, Taxi Driver, Mundo Cão, Ocean Waves, Europa, Cães de Aluguel, Ondas do Destino.

--
* Cat Power - What would the community think
**Viviane Mosé no Café Filosófico sobre o Nietzsche fala disso. Tem vídeo no youtube.
*** Samba do Monsueto regravado pelo Caetano no "Transa" - É o disco que mais tenho escutado ultimamente.